quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Hoje

Dia nublado, chuva incessante, desses em que a luz do dia, esquecida de sua fonte, é como cheiro que desperta lembrança distante, reavivando o que sempre esteve ali, escondido.
A ilusão quase patética de proteção dos guarda-chuvas e a insistência dos transeuntes em continuar obedecendo a relógios escancaram ainda mais a dolorosa luta de nossa época contra a memória em nossos corpos, presentificada numa vaga preguiça, ou melacolia, assim como na intimidade do que sentimos com o movimento de um céu como esse, abrindo espaço nos vãos entre os prédios, molhando nossas roupas de papel...
(No silêncio dessa noite invento fantasmas que teu abraço espantaria... esse ar tão mais limpo tem um cheiro suave de saudade...)

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Sobre escrever

(...) Não correr tanto pra fugir de si mesmo, do seu próprio mistério e silêncio, da sua ausência... é que a gente nunca está onde supostamente deveria, e quando eu acho que me encontrei a ponto de quase segurar-me nas mãos, é que me dou conta de que olhar pra si mesmo é encontrar sempre um outro. O que fazer com as peças que sobraram varridas pra debaixo do tapete? Onde encontrar as que faltaram pra completar a montagem? Como deter o curso de uma escritura que vai partindo pra direções não planejadas, como se o lápis nos tomasse pela mão? Como assinar uma história, uma vida, escrita assim afinal? E talvez descubramos que só estávamos mesmo nas entrelinhas, nos desvãos, no que não pôde ser dito ou ficou pela metade, boca aberta, mão no cabelo, arrepio, miragem, devaneio...

Sobre o ator

Enfim, ainda meio indeciso, estou voltando a postar... quem sabe isso me anime a completar esse blog com o que fui escrevendo na Índia... enquanto isso, vou pondo aqui coisas que escrevi há pouco tempo... a ver qué pasa...

Esse é curtinho, pensei nele e escrevi depois de ver a peça de um amigo querido...

O ator não entrega seu corpo, ele o empresta a nós naquele momento pra ser o entrecruzamento das linhas de fuga de nossa mirada e nosso sentimento. Pura carne mestiça e pulsante, o ator está distante: possuídos pelo espírito da personagem estamos apenas nós, quietamente olhando contorções que adivinhamos nossas. Quem atravessa desnudo um abismo é o desprevinido espectador, insuspeito de haver revelado demais justamente o que as máscaras e cenários supunham, ao mostrar tanto, esconder.