"(...) Os pressupostos da dança-contato (...) estão longe de serem anódinos. Implicam uma visão poética, mas também política, da relação ao outro. O tato pode, com toda a razão, ser apresentado ali como "um sentido revolucionário". (...) O tato, esse sentido bastante primitivo e culturalmente desvalorizado, passa a ser, na dança-contato, o vetor de uma "redistribuição dos códigos espaciais e sociais da distância entre as pessoas". (...) A armadura muscular tende a se fazer mais flexível, os próprios tecidos do corpo amolecem, aprende-se a acolher e a ser acolhido, comenta a bailarina de contato Karen Nelson. O corpo do contacter atesta que ele não quer apoderar-se dos seres e das coisas, e essa atitude é emblemática de todo um setor da dança contemporânea.
(...) A dança-contato, com efeito, faz parte das formas de dança que, no século XX, reinventaram da maneira mais profunda a esfera perceptiva. Nessa dança do tato, o maior dos órgãos do corpo, que é a pele, desenvolve uma extrema sensibilidade que não tem nada de superficial. (...) Nenhuma dança neste século nega mais radicalmente a precedência cultural do olhar. Apenas a visão periférica continua sendo essencial, pois ela permite varrer um horizonte de formas em movimento. A dança-contato amplia essa modalidade da visão. (...) É com efeito, in fine, o "sentido do tempo" que se aguça pela dança-contato. "A que velocidade percebemos o nosso pensamento" - pergunta-se Paxton.
A contact improvisation (...) sintetiza muitos dos desafios da dança contemporânea. E ao mesmo tempo constitui para ela um ponto limite. A forma, a estrutura aí são radicalmente subordinadas ao processo. A contact improvisation permite que se veja a emergência do movimento: é a experiência que cria um espetáculo, aquém e além de toda representação mental"
(Fonte: SUQUET, Annie. Cenas: um laboratório da percepção. In: COURTINE, J. J., CORBIN, A. & VIGARELLO, G. "História do corpo". Vol 3. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008)
Foto: Foto mostrando o dançarino de CI Ray Chung, disponível em: http://contactimpro.org/en-article163.html