Foto: Sami Landweer
Talvez o
estrago já tenha sido feito, e não parece haver tempo pra descansar.
Do material
opaco e inerte nasce um ar bom e nosso corpo ainda parece dar vida quando já
não se esperava nada além das mesmas coisas de sempre.
Respiramos
mais em meio ao caos do que na confortável vida besta?
No silêncio
mudo dos olhares ainda se escondem tempestades? Na cidade, no deserto entre os corpos apertados uns contra os outros, ansiamos por um
vento que nos leve e traga um corpo vivo, como a maré faz com os
cadáveres. Impassíveis em sua dureza.
E ainda nos
perguntamos se os ossos estão alinhados ou em que data mataram a coreografia e
o que é dança contemporânea?
Em algum
momento quisemos insistir também e agora nos perguntamos se ela vai continuar.
(Torcendo talvez pra que não, pra que ela vá embora e pare de nos lembrar de
quando desistimos. ?). Nossos corpos são membranas cheias d’água e também é
bonito quando estouram e espalham um pouco de si a cada lugar. Talvez a morte
também seja um jeito de habitar mais lugares, um pouco de mim se dissipando e
acarinhando tudo. Pequenas poças por um instante sagradas, como tudo que será
pisado em seguida. O mundo é um.
A nudez dos
bailarinos – um silêncio – nos desveste muito mais. Risinhos e piadinhas nervosas parecem querer nos colocar em nossos devidos lugares. Mas você
se divertiu? O que vamos comer depois?
Os gritos
têm uma vida nova como cheiro de um limão.
Água
respingando no rosto.
E ainda precisamos
tanto uns dos outros.
É um
desespero e uma alegria que apesar de tudo e depois de tanto, continuemos
juntos. Do caos andamos na linha mais reta e da viscosidade de nossos líquidos
escorre uma geometria mais precisa. Da terra seca, o corpo do outro é uma fonte
impossível, e é a única que há (quero que seja a melhor). E queremos e
precisamos nos engalfinhar, e agarrar e apertar a carne. Há uma delícia bruta enquanto
vamos juntos nos engolfando e nós – quem sabe esse cheiro de estar perto nos
salve da violência limpa e branca que inventamos pra fugir dessa tempestade.
Por que o mar pulsa e nos chama e quer nos levar.
"(...) Uma geração que
ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa
paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas,
num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo
humano." (W. Benjamin)
* Texto publicado também no projeto 7x7 *