sábado, 17 de maio de 2014

"Pindorama" - para Lia Rodrigues


Foto: Sami Landweer

Talvez o estrago já tenha sido feito, e não parece haver tempo pra descansar.
Do material opaco e inerte nasce um ar bom e nosso corpo ainda parece dar vida quando já não se esperava nada além das mesmas coisas de sempre.
Respiramos mais em meio ao caos do que na confortável vida besta?
No silêncio mudo dos olhares ainda se escondem tempestades? Na cidade, no deserto entre os corpos apertados uns contra os outros, ansiamos por um vento que nos leve e traga um corpo vivo, como a maré faz com os cadáveres. Impassíveis em sua dureza.
E ainda nos perguntamos se os ossos estão alinhados ou em que data mataram a coreografia e o que é dança contemporânea?
Em algum momento quisemos insistir também e agora nos perguntamos se ela vai continuar. (Torcendo talvez pra que não, pra que ela vá embora e pare de nos lembrar de quando desistimos. ?). Nossos corpos são membranas cheias d’água e também é bonito quando estouram e espalham um pouco de si a cada lugar. Talvez a morte também seja um jeito de habitar mais lugares, um pouco de mim se dissipando e acarinhando tudo. Pequenas poças por um instante sagradas, como tudo que será pisado em seguida. O mundo é um.
A nudez dos bailarinos – um silêncio – nos desveste muito mais. Risinhos e piadinhas nervosas parecem querer nos colocar em nossos devidos lugares. Mas você se divertiu? O que vamos comer depois?
Os gritos têm uma vida nova como cheiro de um limão.
Água respingando no rosto.
E ainda precisamos tanto uns dos outros.
É um desespero e uma alegria que apesar de tudo e depois de tanto, continuemos juntos. Do caos andamos na linha mais reta e da viscosidade de nossos líquidos escorre uma geometria mais precisa. Da terra seca, o corpo do outro é uma fonte impossível, e é a única que há (quero que seja a melhor). E queremos e precisamos nos engalfinhar, e agarrar e apertar a carne. Há uma delícia bruta enquanto vamos juntos nos engolfando e nós – quem sabe esse cheiro de estar perto nos salve da violência limpa e branca que inventamos pra fugir dessa tempestade. Por que o mar pulsa e nos chama e quer nos levar.


"(...) Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo humano." (W. Benjamin)

* Texto publicado também no projeto 7x7 *

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