“(...) seu corpo era rijo e compacto, mas esta noite seu desejo parecia quase separado dele, como se na realidade quisesse mesmo me envolver e abraçar inteira, como se ansiasse me absorver ou me fazer parte de si, que eu fizesse parte dele, dependesse dele, e tocava minha pele com tanta intensidade que mal se preocupava com o que o seu corpo iria receber, podia não receber nada, contanto que eu ficasse na minha posição fetal e enrolada no seu corpo como um filhote de pássaro debaixo das asas da mãe. Eu queria e ao mesmo tempo não queria me render a ele, obedecer a ele, dar-lhe o poder de dar, de me dar, e no entanto escorreguei para fora do seu abraço, da forma deliciosa que me mimava, e fiz com que se deitasse de costas e não interferisse com o que eu lhe fazia, até estarmos quites, e daí por diante, até o final, estávamos um para o outro, como um dueto a quatro mãos, por um momento possivelmente ficamos parecendo dois pais dedicados debruçados sobre um bebê, intensamente, cabeças se tocando, brincando com uma criança que devolve amor com amor. (...)”
Amós Oz, Não diga noite.
... porque algo então inadvertidamente caíra e já não sabíamos recuperar os restos espalhados pelo chão e até meu colar se desatou e nos surpreendemos em nossa nudez de avessos inintegráveis à regular coerência que tínhamos forjado ao longo dos anos de hábitos e muros.
Sim, colamos bem os cacos, mas ficou uma marca invisível nos perguntando quando foi mesmo que decidiu-se que seria melhor que seguíssemos nos tocando protegidos pela invisível pele falsa de nossos sofisticados figurinos sem os quais supúnhamos não ter rosto...
Quando foi que alguma coisa mais além pareceu se anunciar?
Vá embora, ainda é tempo.
A vida é ficção reescrita a posteriori. Composição ligeiramente singular sobre um mesmíssimo material.
Mas,
Quando foi que acreditar parecia tanto ser agora?
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