"Há qualquer coisa de rude no puritanismo de modo geral. E há algo de puritano na falta de sutileza, especialmente quando esta é entendida como complexidade de gestos, sentimentos e ritmos do corpo. Um gesto sem sutileza tem dificuldade de sugerir. Se chega a fazê-lo tem pudores em se ofertar como enigma. (...)
Pois a sutileza inclui zonas de sombra, e estas não significam caos nem, necessariamente, silêncio. O gesto sutil é em geral potente justamente porque sua força não se explicita de uma só vez, como se se tratasse do último ou do melhor gesto. A sutileza não se concilia bem com tais romantismos fatalistas, nem com a necessidade de aproximar o começo do fim. Ela também não se adapta ao fascínio pelas palavras (ou pelos gestos), que se impõem como definitivos. De fato, a sutileza não é um fast food. O que não impede de existir quando se come um hamburguer ou quando se trabalha na cozinha de um fast food ou na limpeza de suas latrinas. É apenas na aparência que a sutileza é frágil ou cliente exclusiva dos restaurantes de luxo. Gestos sutis são delicados e fortes, por isso eles se parecem com formigas avermelhadas que andam por toda a parte, como baratas ancestrais, uma sempre seguida da outra. Seres que parecem inúteis nesse mundo de tantas usuras.
(...) É que a sutileza, assim como a delicadeza, é fértil; elas sempre gestam outras falas e atos. São portanto coletivas e indicam passagens, criam envelopes, epidermes capazes de amaciar certos contatos e iniciar o corpo para a vida junto a muitos outros. A delicadeza constituinte do gesto sutil é iniciadora."
(Denise Bernuzzi de Sant'Anna, publicado em "Corpos de passagem", Ed. Estação Liberdade, 2001)
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