...É nas horas vazias de um dia comum, quando já não temos mais afazeres e compromissos, quando ainda mal sabemos o que seria um hábito, um hobby, um sair com amigos... quando, extrangeiros, mal construímos um lugar nesse novo mundo (sim, quando estamos ainda nessa ante-sala de quem somos), que nos vemos espontaneamente a perguntar: afinal que tenho feito eu de minha vida? de que maneira tenho me inventado e aproveitado minha liberdade?
Porque nessas horas (que ainda podem ser acentuadas por um pôr de sol agudo, laranja, como aqueles que motivaram pintores a fazer quadros como "o grito" ou aqueles corvos negros num trigal amarelo...) nos vemos, querendo ou não, inexoravelmente livres.
Só que - isso ninguém nos avisa com antecedência -, ver-se livre é ver-se pisando num vazio ou, em outras palavras, sem nada pra pisar. E então, com medo desse vazio, vamos preenchendo-o com imagens do que seria essa liberdade, e logo temos pronto um papel e um texto pra representar. E podemos representar até mesmo o papel de pessoa livre, a que se reinventa o tempo todo... o papel que for, pra não precisarmos tocar a ferida de uma liberdade mais fundamental e indizível...
Aqui eu percebo mais claramente a tentativa incessante do homem ocidental de domesticar esse vazio. A cada coisa acidental que acontece, cria-se um novo programa de ações preventivas e novas tecnologias pra evitar que se repita. E assim temos um mundo cheio de precauções. Ordenadíssimo.
No entanto, nossa condição se baseia, queiramos ou não, nesse vazio fundamental, nesse vazio fértil que é a realidade que se insinua nos entremeios do tempo dos afazeres e dos relógios...
É nesse vazio que se gesta o surpreendente, o que foge às regras, o que nenhuma teoria é capaz de prever ou explicar; é desse vazio que nascem as surpresas. É a partir dele que criamos.
Nele mora nossa liberdade inexplicável...
Um comentário:
Vazio tão fértil que permite textos lindos, profundos, de vida, como esse.
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