domingo, 11 de fevereiro de 2007

Tempo

Não sei se já falei algo assim, mas sinto mais e mais claramente esse fio que nos une ao passado, transpassando o tempo e unindo tudo num único instante.
Uma experiência curta, mas forte foi minha breve discussão com o senhor que me hospeda. Um franquista a defender entusiasticamente o "generalíssimo" depois de eu ter contado que meu bisavô fora preso político por suas idéias e sua atuação em prol da república durante da Guerra Civil espanhola...
Falo desse fio invisível, porque aquela discussão era a atualização de um conflito tão mais antigo que eu, como se encenássemos um mito de origem, naquela conversa de certo modo prosaica, à beira de um fogão (enquanto ele cozinhava seu cocido madrileño). É difícil... Agradeço porque o que ficou das narrativas dessa minha origem, isto é, a revolta contra todo tipo de ditadura, de silenciamento (e como estava presente na fala dele uma ode aos silenciamentos políticos), não me incita a raiva ou ódio. Pelo contrário, sentia uma ternura de reconhecer que aquele jeito de pensar, completamente diferente do meu, era tão igualmente humano e plausível. Podia ser uma construção para mim horrível, perigosa, mas igualmente humana...

Viajar me deixa mais sensível a nosso desamparo fundamental, acho, rsrsrs (estou ficando filosófico demais, uma presunção)... construímos tantas ideologias a fim de ter algo em que nos agarrar nessa navegação cujo destino é inescrutável... No fundo - e isso talvez tenha sido o único em que concordamos -, irmãos nunca devem matar irmãos, por mais diferentes que sejam suas idéias ou ideais. Quando isso acontece, já perdemos a razão, em qualquer dos lados...

Mudando de assunto. Admirei demais os amigos do meu primo (e ele tb, obviamente) que conheci. Eles que constrõem uma vida aqui sem auxílio nenhum, vindo pra trabalhar sabe-se lá onde, todo dia... Corajosos. Que realizem os sonhos, como os vi aos poucos fazer...

Enfim...


Penso agora... que já não tenho mais pudor de ouvir dizer (nao importa agora a quem me refiro) que sente orgulho. Não tenho mais sensação de imerecimento, porque entendo que esse orgulho é reconhecimento de uma transmissão; da partilha de dimensões difíceis de precisar mas que constituem pilares fundamentais do que somos. Um orgulho que é na verdade o nome pra uma comunicação silenciosa que nos diz que, nesse plano, o tempo não existe e continuaremos vivos sempre (ou enquanto existirem pessoas), porque o fundamental e misterioso que carregamos permanece naqueles que amamos, a lo largo de las generaciones y existencias personales...

Um comentário:

Patrícia C. disse...

Querido Pedro,

Sobre a sua discussão regada aos aromas de um cocido madrileño que nascia... lembrou-me a primeira vez que ouvi meu sogro, italiano que vivenciou a Segunda Guerra, falando da época do Duce... algo semelhante ao que vc contou aconteceu... E mais do que tudo foi perceber que estar mergulhado no momento histórico, aquele onde os fatos realmente se desenrolam (viver aquele presente) pode trazer visões e visões, sensações e sentimentos diferenciados... maneiras de pensar diferentes... pessoas diferentes... Além de tudo, perceber também como isso fica registrado na memória, tempos depois... quando o distanciamento histórico, com fatos já analisados e debatidos chega...
E são essas pessoas que nos ajudam a entender o passado, a compreender o presente... e nos fazem parar para pensar: como nós lidamos com o nosso momento histórico presente?

Devaneios de lado, saudades já!
Abraço bem apertado ao estilo taiji!