... Tem quadros que por um instante bem fugaz (não é algo assim fácil de sentir, e não é um sentimento segurável, perene) levam mesmo a gente prum outro universo, prum outro mundo é como se você pudesse sentir o cheiro. "Las Meninas" mesmo é assim (e também os quadros de Rubens, muito), se você se põe diante dele um pouco, então pode ver a dama de companhia curvar-se levemente em saudação, e a infanta Margarida te olhar de perto, curiosa, altiva, tão aristocrata que é como se a invasão perpetrada pelo observador nesse seu momento de intimidade palaciana não lhe fizesse a menor diferença, e o peso dos séculos fosse tão ínfimo quanto a espessura da capa de tinta que cria essa maravilha...
Sim, tem quadros que te transportam, e não é porque você viaja nas imagens como se estivesse vendo um domentário, acompanhando... é porque a imagem do quadro, num instante mesmo, faz despertar alguma coisa que estava adormecida dentro, imagens próprias, e sons e sabores e cheiros e sonhos... o quadro te transporta nesse instante pra dentro de si mesmo, e às vezes você tem até que fechar os olhos pra enxergar melhor. E então é como se você também tivesse pintado, ou tivesse estado ali, no momento mesmo da primeira, ou da última pincelada... quando o pintor suspira satisfeito porque metade do trabalho está completa... o resto caberá a nós e aos futuros... ao futuro...
Mudando de assunto (mas dessa vez na verdade ficando no mesmo), duas lições dos autores dos quadros que estão aí em cima:
Bosch, entre tanta coisa, é uma lição de como colocar em imagem concreta uma idéia abstrata. Pra isso vale a pena o quadro que mostra os sete pecados capitais. É fantástico. A cena é figuração concreta de uma idéia em si abstrata, e é esse o fascínio. Curiosos, queremos ver, como será que ele representou esse tal pecado, e esse? E nos perguntamos depois (pagãos ou ateus que já somos), como seria a representação concreta, exemplar, de (um) amor? Ou saudade, ou alegria? Ou uma alegria séria de mulher que entra no mar de madrugada (acabo de ler um livro da Clarice, daí essa imagem)? E então, pra responder a essas perguntas, logo ali está "O jardim das delícias" (um sonho)... e no museu ao lado, Dalí.
Velazquez, é de uma força arrebatadora. Uma lição de cinema, na verdade (quem viu, sabe que não estou louco), porque mostra como contar uma história inteira em uma única cena. Sim, há outros que também o fazem, mas Velazquez mais, e não só com "Las meninas", com tantos outros quadros, você vê a cena acontecendo, você vê o antes e o depois e a vida toda daquela gente numa única cena. Filho da p... Um gênio.
E ainda (pra acabar que já é tarde), um detalhe interessante, esse principalmente pra quem vem de fora, é reconhecer naqueles quadros rostos como os que você veria no metrô (ou talvez admirando o quadro ao seu lado). Não só nos traços físicos, idênticos aos de rostos daqui, vistos todo dia... mas nas expressões, o que é o mais impressionante. Fico me perguntando: se o rosto (ou os olhos como se costuma dizer) são a janela da alma, são a fonte maior de nossa expressividade, então nossas almas não mudaram nada de lá pra cá? Por que, ainda que vivamos em um mundo completamente diferente (será que tão completamente?), aqueles rostos são tais que é como se estivessem do nosso lado, como se sentissem e pensassem igual? Então tem alguma coisa que vai além dessa nossa identidade histórica e limitada no espaço e tempo, o humano tem muito que independe disso tudo...
Vendo esses quadros, parece que sim...
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